Texto por Simone Lersch
A
, encerrada no dia 31 de outubro, adaptou-se aos desafios da criação e exibição artística em tempos de pandemia. Além da programação online e da tradução em libras, o festival também ganhou as ruas da cidade com uma proposta que convidou ao aguçamento dos sentidos e à reflexão sobre a humanidade no futuro.
, Diretor Geral do Festival Internacional de Artes Cênicas de Porto Alegre, e parceiro do
, conversou conosco sobre a experiência e fez projeções para o período pós-pandemia e as perspectivas de aprimorar a acessibilidade no Em Cena. Confira:
1- A inclusão e a acessibilidade nas Artes têm recebido uma atenção especial, com a instituição do Dia do Teatro Inclusivo (19 de setembro), celebrado há três anos no Rio de Janeiro e, desde 2020, em Porto Alegre. O Porto Alegre em Cena, um dos principais festivais de Artes Cênicas na contemporaneidade, atento a isso, vem implementando ações de inclusão nos últimos anos. Gostaria que comentasse esta questão.
É, tanto eu como toda equipe pensamos que ações de inclusão são necessários por inúmeros motivos, não é apenas uma questão de incluir pessoas que normalmente não tem acesso as plateias e aos palcos. É uma questão de formação de plateia e de novos artistas, uma função de mostrar novas experiências, novas perspectivas de vida, fazer a informação e as ideias das pessoas circularem. É conhecimento. Não é apenas um bem que fazemos para pessoas que normalmente não tem acesso aos teatros, mas um bem que fazemos pro próprio teatro e toda sua cadeia de profissionais. E, consequentemente, ao colocar dividir espaços de fluxos de informações e criatividades com pessoas diferentes do que normalmente tem acesso, fazemos um bem pra sociedade como um todo que cresce em perspectivas ao darmos ouvidos e atenção para vozes diferentes e dissonantes de um padrão estabelecido há séculos que persegue pessoas com deficiência física, intelectual, bem como bruxas, homossexuais, negros, indígenas, por exemplo. Entendemos que inclusão é algo potente e urgente para todas nós. Ficamos muito felizes de ver a alegria de artistas e público com algum tipo de deficiência quando estão no teatro, mas ficamos felizes por nós e pelo público geral poder ter acesso a esses artistas.
2-Você foi uma das pessoas que abriu as portas do Festival para o espetáculo Todo Mundo tem Um Sonho protagonizado por mais de 100 participantes do Pertence. Como se deu essa experiência e qual a sua opinião sobre a obra artística do projeto?
Não fui eu apenas, na verdade eu só entendi que seria um lindo trabalho pra termos na nossa programação. Contamos com a sensibilidade e o tino da Paula Carvalho que conversou com o nosso coordenador de programação, Duda Cardoso, sobre essa possibilidade que nós fomos tecendo juntos aos poucos até o grande dia de apresentação. Como falei antes, trabalhos como esse são necessários, urgentes pra que o público de depare com o talento e realidades dessas pessoas e artistas como para que os artistas tenham espaço nos palcos da cidade e tempo de trabalho neles pra que possam se experimentar cenicamente, amadurecer tecnicamente, evoluir esteticamente e se aperfeiçoarem como todas artistas do mundo.
Claro! Sempre há. Nós também queremos evoluir ano a ano, conversando com parceiros como a Pertence pra saber como fazer mais e melhor em cada uma das áreas de inclusão e acessibilidade. Infelizmente vivemos tempos difíceis em que queremos ampliar nossos horizontes e trazer mais acesso e mais diversidade e mais inclusão, mas os recursos estão cada vez menores, o que dificultam demais essas questões, mas a gente segue em busca dessa ampliação.
Foi difícil. Mas como todo desafio aceito e - acredito eu - superado, também dá prazer. Aprendi muito nesses meses de estudos e percepções e contemplações de mundo e de como poderíamos fazer para acessar o público e manter questões básicas pro festival como criar ambientes de encontros e discussões através da arte. Acredito mesmo que conseguimos propor isso, o que me deixa muito feliz e realizado. Mas ao longo do processo de remontar o festival fui tendo prazeres aos poucos com os espetáculos digitais que vi, com as ideias que foram surgindo nos encontros digitais com a equipe, nessas trocas. Ao fim, aprendi que a presença transcende o contato físico. Há presença também nos encontros digitais, virtuais e/ou online. Então o Em Cena continuou sendo um festival da arte do encontro. O público se encontrou com a obra de arte e com os artistas que se encontraram com outros artistas que se encontraram com a equipe do festival e que se encontrou com o público. Tudo como sempre foi em formatos completamente diferentes. E claro que os contatos são diferentes, mas são contatos, são trocas, são presenças. Também foi preciso perceber que a gente não reinventou nada. Tudo já estava posto: as ferramentas e plataformas digitais, as redes sociais, as maneiras de divulgar os trabalhos, de assistir… tudo estava posto. E muitos artistas já tinham lançado mão dessas ferramentas pras suas criações. O Porto Alegre em Cena mesmo já tinha lançado mão de algumas ferramentas dessas, mas nunca dessa maneiras tão radical, tão vertiginosa. Pensar um festival que 100% dele seria evitando aglomerações físicas foi muito trabalhoso e reinventamos talvez a nossa forma de produzir, de nos comunicar com o público e com artistas, mas no mais tudo já existia.
Sem dúvida. Se essa pandemia acabar e outras não vierem, queremos fazer festivais com um mix de tudo isso. Não necessariamente ter parte da programação física e outra digital, mas um híbrido disso tudo num mesmo trabalho.
6- Esta edição do Festival trouxe como tema o “corpo futuro” em uma reconexão da humanidade com sua essência, provocando reflexões sobre temas urgentes. Achas que é possível a Arte cumprir seu papel transformador em ambiente online?
Sem dúvida. Só de fazer arte num ambiente online e colocar as pessoas em contato com essas criações justamente num ambiente novo já é transformador por si só. A questão é a comparação com os moldes que estamos acostumados. Não podemos pensar em nos impactar com uma obra online como nos impactamos com uma obra física no palco. São experiências e relações e impactos diferentes. A transformação também será outra. Mas haverá.
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